A história da reforma da Delta 1000, com duas GI7B

Esta é a história de um amplificador linear Delta 1000, antigo e brasileiro, que chegou às minhas mãos como um “simples conserto” e terminou como uma reforma profunda.

O “cliente” entrou em contato explicando que possuía um Delta1000, recebido de radio amador SK e que precisava de reparos. Disse que tinha um pouco de oxidação, pois sua cidade é de elevada umidade. Mandou algumas fotos, e qualquer um que já tenha comprado no mercado “on-line” sabe como elas são.

Recebi o equipamento e levei para a oficina. Uma observação externa, preliminar, assustou. Fotos explicam mais do que palavras.

" alt="" width="1024" height="760" />

 

 

Retirei a caixa externa para observar o interior do chassis. A parte superior não estava bem conservada, mas era aceitável.

 

 

 

O chassi inferior estava desesperador, a oxidação era clara e profunda.

 

 

 

 

 

Conforme a “inspeção” visual avançava, a situação piorava.

 

 

 

 

Para piorar tudo, o miliamperímetro não funcionava. Estava com a bobina aberta e as sustentações dos mancais da bobina móvel, descolaram.

 A chave de onda apresentava um contato “vaporizado”, na posição de 40 metros (7MHz).

Contatei o “cliente” e informei sobre a situação atual e a necessidade de uma reforma profunda, para que o equipamento voltasse a funcionar com segurança. Sem falar na possibilidade dos eventuais problemas com os transformadores, válvulas, etc... O custo era elevado e o risco maior ainda.

Algumas mensagens trocadas e escambamos alguns equipamentos de papaxupeta pelo linear, o transformador 110/220 V (sim, toda Delta 1000 é 110 VCA) e algumas válvulas extras, sendo duas 811 (depois descobri que era uma 811 e uma 807).

Gastei algum tempo olhando para “o que” havia feito e pensando nas possibilidades.

A única possibilidade vislumbrada para o linear era a reforma, e foi isto que decidi fazer. Desmontei tudo e comecei a procurar tinta igual a original, martelada, só disponível no mercado livre.  Também comecei a procurar quem pudesse jatear com areia, todas as peças. Encontrei um fornecedor do serviço em minha cidade e levei as peças para ele. O dono da empresa ficou olhando de forma estranha, tudo bem assumo minha estranheza. Pediu uns dez dias de prazo e um valor acima de 200 reais (aprox. US$50,00) sem pintura. Achei o valor elevado, mas sem muitas opções deixei-a para o jateamento.

 

 

Enquanto aguardava o jateamento, comecei a testar as válvulas que estavam no linear. É simples ter uma ideia do seu estado usando-a como um “diodo”. Para tanto se alimenta o filamento e conecta-se a grade com o anodo, em curto. Com uma diferença de potencial de 40 volts aplicada entre catodo e anodo/grade, a corrente circulante indica o estado relativo das 811. Uma válvula em bom estado deve circular algo próximo a 220 mA a 240 mA. Das válvulas que estavam no linear, uma apresentava algo ao redor de 180 mA (depois descobri que estava com uma deformação na grade, que a fazia faiscar com alta tensão, provavelmente a grade havia se deformado em uma sobrecarga). As demais apresentavam corrente extremamente baixa, ao redor de 100 mA, 120 mA. 

 

 

Aproveitando o tempo, mandei cortar e dobrar algumas chapas que faltavam no gabinete. Olhando para a chave de onda, percebi que haviam 2 contatos não utilizados e fiz uma pequena, e delicadíssima, intervenção cirúrgica nela.

 

 

Fui buscar a caixa jateada e o dono da empresa olhou com cara de taxo, como se não compreendesse o que pedia. Mostrei o gabinete e as chapas para ele, além de falar que ele havia anotado no “caderninho” o prazo de entrega. O sujeito começou a folhar o dito caderno e não encontrou, tomei-o e mostrei a data de entrega. Doeu o descaso com que fui tratado. Olhei para ele e disse: amigo, não estou acostumado à prestação de serviços desta forma. Peguei a caixa e fui embora, pustodozoio...

Resmungando com os amigos, em uma rodada de 40 metros, o PY3AT Vagner sugeriu uma empresa em Barão, que costumava executar serviços para ele. O Vagner fez a gentileza de ir comigo até lá. Por 80 reais o sujeito disse que jateava e pintava a pó, que diferença. Sem falar na gentileza do senhor que nos atendeu.

Enquanto o gabinete era pintado, comecei a limpar os componentes e organizar o projeto.

 

A Delta usa um circuito LC único, para todas as bandas na entrada de RF, que não achei muito confiável. Como sabia que o famoso “Magaiver” costuma retirar os tanques para instalar as GI7B, entrei em contato com ele para ver das possibilidades. Falou que tinha um de uma Collins 30L1 e poderia me fornecer. Comprei e ele mandou 4 soquetes de válvula da Yaesu FL2100, praticamente novos, para as minhas 811.

Juntei as peças disponíveis, limpas, para continuar com o projeto.

Recebi o gabinete pintado e fiquei espantado com a qualidade do serviço, foi uma das primeiras alegrias que tive neste projeto.

Resolvi jogar fora até os parafusos. Comprei tudo novo, afinal de contas, a caixa tinha ficado tão bonita que não merecia parafusos enferrujados.

Com todo material em mãos, dei início a montagem mecânica.

 

 

Confeccionei uma placa para a retificação de alta tensão, utilizando um fusível e um resistor, para proteção.

 

 

Substitui e instalei o novo choque de RF para o filamento e circuitos associados ao “catodo quente”.

 

 

Confeccionei uma placa de controle do relé de transmissão (24 V, original da Delta), controle de polarização, controle de velocidade dos ventiladores (em stand-by eles permanecem em baixa velocidade, em transmissão a alta velocidade é acionada, permanecendo assim por aproximadamente 2 minutos após soltar o PTT), relé de energização do transformador de alta e soft start para este transformador.

Com os indutores originais do choque de filamento, construí um filtro de RF para a entrada de CA. Nesta placa também instalei um NTC como soft-start para os transformadores de filamento e controle.

Assim ficou o deck inferior do linear.

 

Passando para a parte superior do deck, instalei o choque de RF de placa e construí supressores de parasitas ao estilo Ameritron, instalando o capacitor de bloqueio de anodo (tipo door-knob) na mesma placa. Também instalei o ventilador e o capacitor de desacoplamento de alta. Este capacitor azul, ganhei de meu grande amigo Olímpio PY3OM (93 anos), é nacional com aproximadamente 3 nF e tensão nominal de 3KV.

 

 

O deck de RF, superior, ficou assim:

 

 

Recortei o encaixe dos dois miliamperímetros (corrente de placa e corrente de grade) e iniciei a instalação dos transformadores.

 

 

Energizei o linear sem as válvulas, para testar os circuitos de controle e de alimentação, e o capacitor azul abriu arco entre +B e terra. Substituí por um door-knob igual ao utilizado no desacoplamento de tensão de +B. 

Não utilizei o circuito original de neutralização, mas deixei os componentes instalados em seus lugares originais. Juntei as melhores válvulas que possuía e inicie os testes. O linear funcionou, entregando pouco menos de 400W em 40m e 350W em 80m. Achei muito pouco, pois meu linear com FET proporcionava potência de saída maior. Com o amigo Josué, CX3PI, consegui válvulas em melhores condições através de outro escambo. O bom de negociar com radioamadores montadores é que sempre se pode trocar algo de interesse mútuo.

De posse das válvulas em melhores condições, ansiosamente instalei-as e o linear virou um oscilador. Coloquei a neutralização original para funcionar, não deu certo. Fiz uma neutralização semelhante à utilizada pela MFJ, com toroide para a inversão de fase, não funcionou.

Troquei os supressores de parasitas, nada. Troquei o choque de placa, os capacitores de desacoplamento, o choque de filamento, a fonte de alta tensão, o transformador de filamento, as conexões de terra, os capacitores de filamento, a rede de terra de grades, instalei fitas de cobre para aterramento, aterrei tudo direto no chassis, arranquei as fitas de cobre de aterramento, retirei o filtro de entrada de CA, mudei a polarização, e sei lá mais o que. Nada resolveu.

Desconfiei das válvulas do 3PI e levei até a casa do PY3OM para testar no linear dele (2 x 811). As minhas estavam melhores que as dele e não oscilavam. Refiz todos circuitos do linear e nada resolvia. Havia montado um gerador de RF e não um amplificador linear.

 Enchi os tubos, frustrei, e usei a técnica que uso quando uma faca não colabora em ficar pronta (www.callega.com), deixei de castigo no cantinho de pensar. Após algumas (várias) semanas, voltei a meter o nariz no linear. Nada resolveu a oscilação e para piorar tudo, a corrente de repouso estava disparando. Desisti, fui vencido pela Delta 1000.

Posteriormente, conversando com o Marcelo, PY2JJ, descobri que não havia tentado uma possível solução, utilizar a base das grades das válvulas como ponto único de aterramento para toda seção de RF. Na próxima eu tento, valeu, “encantado e em colores”.

Como nada acontece ao acaso, fiz uma manutenção em uma Ameritron AL811 e recebi duas GI7B como pagamento.

A esperança era refazer a Delta com as GI7B e seguir a moda brasileira de utilização de tubos russos. Removi as válvulas 811, bases, choques, etc... Mantive fonte, circuitos de controle e tanque de saída da Delta1000. Fiz uma base de alumínio para a colocação das GI7B e seu suporte com um cano de cobre, aterrando as grades. Removi o transformador de filamento original e instalei dois antigos transformadores de filamento que possuía, em série. Construí um suporte para os dois ventiladores das válvulas, em acrílico e separei o deck de controle do deck de RF inferior, utilizando uma chapa de alumínio, para evitar qualquer possibilidade de realimentação e interação entre os circuitos. Utilizei capacitores de passagem (feed-through) para levar 12 V e tensão de filamento para o deck inferior de RF, estava paranoico com as realimentações.

 

Montei uma placa de polarização com LM431 e um transistor PNP, consagrada por W4ZT e com esquema disponível na WEB. A vantagem deste tipo de circuito é a possibilidade de ajuste contínuo de tensão de polarização de 3,5 V a 39 V.

No teste preliminar, a corrente de repouso disparou novamente. Meu santo não estava colaborando comigo. O linear voltou para o canto do castigo. Não tinha como não desanimar, troquei até as válvulas e aquele negócio continuava mais doido que eu.

Fiz uma manutenção bastante desafiadora num linear chinês (Amptec), que movimentou minhas “lombrigas cerebrais”. E após várias semanas no cantinho de pensar, o linear voltou para a bancada. Descobri que o transistor da placa de polarização estava em curto. Lembrei o sofrimento na manutenção de uma FL2100 modificada pelo Magaiver para 2 x GI7B. Eu trocava o transistor e ele entrava em curto. Em um contato com o Magaiver (extremamente acessível) falou para trocar o darlington por um 2N2955, pois ele também estava tendo problemas.

Depois de muito apanhar descobri que o grande problema são os transistores xingling, que não suportam corrente. Como nos retificadores. Existem bons componentes chineses? Sim, o problema é encontrar.

 Coloquei um MJE2955 muito antigo e a corrente continuava alta, mas o transistor não queimou. Apanhei mais um tanto até descobrir que um dos capacitores de passagem estava com fuga pra terra, aterrando o catodo e levando a corrente de repouso para as alturas. Removi os capacitores e refiz a alimentação dos filamentos. Funcionou e fui para os testes no ar com o PY2JJ, quase desmaiei quando ele disse: “teu sinal é alto, mas tem um ruído que parece corrente alternada junto com o áudio”.

O desânimo bateu à porta, novamente, mas catei um pouco de vontade e troquei o circuito de polarização por um mais simples, com diodo zener e transistor NPN, não resolveu.

Sofrimento depois de sofrimento, descobri que havia selecionado dois capacitores de desacoplamento que estavam gerando aquela modulação de 60 Hz. Substituídos por capacitores cerâmicos e o sinal limpou.

A potência medida na carga não irradiante era boa em 40 m, caindo significativamente em 80 m. Novamente apanhei até descobrir que o choque de placa estava aquecendo muito, em 80 m. Coloquei outro choque em série e a potência em 80m subiu porém, em 20 m o choque acrescentado apresentava faiscamento entre espiras. Estava claro que deveria substituir os choques. Encontrei, em minha sucata, duas formas de refil de fusível de alta tensão, em baquelite. Uma delas assentava direitinho na forma de um fusível NH de 60 A. A base cerâmica me pareceu ideal para isolação, e foi nela que dediquei tempo para a substituição.

A partir daí o linear começou a funcionar como deveria. Os resultados encontrados estão abaixo representados:

Banda

ROE entrada

Potência de Saída

80m

2:1

650W

40m

1,8:1

700W

20m

1,5:1

450W

15m

1,2:1

380W

10m

1:1

350W

 

A entrada de RF é direta no catodo e o circuito da Collins foi removido. A corrente de repouso está entre 80 mA e 100 mA, com uma tensão de polarização de 25 V e  tensão de placa de 1500 VCC, com carga, corrente de placa chegando a pouco mais de 900 mA. Em operação normal, a corrente de grade é de pouco maior que 20 mA.

O chaveamento de transmissão pode ser feito por relay-box ou por RF, já que um circuito de comutação por RF foi acrescentado. Na traseira do linear existe um potenciômetro de ajuste de sensibilidade do detector.

A válvula GI7B tem uma peculiaridade interessante no que se refere a corrente de grade, pelo menos é o que se encontra nos artigos publicados na WEB, sobre ela. Esta válvula suporta até 120 mA na grade, devendo-se ter cuidado para que não exceda 150 mA pois isso gera problemas internos, irrecuperáveis.

Observando meu linear percebi que quando “sapeco” um pouco nas sintonias, a corrente vai subindo rápido. Então, um olho na corrente de placa, outro no wattímetro e outro na corrente de grade.

Este foi o resultado preliminar da montagem que funcionou.

 

 

 

 

 Com o passar dos testes no ar, dificuldades, problemas apresentados e erros de desenvolvimento, levaram à reinstalação do circuito de acoplamento de entrada, originado na Collins.

 

 

Os resultados da nova instalação estão representados abaixo:

Banda

ROE entrada

Potência de Saída

80m

1,5:1

650W

40m

1,5:1

850W

20m

1,2:1

600W

15m

1,2:1

500W

10m

1:1

500W

 

O esquema do amplificador linear ficou assim:

 

Esquema do linear, em PDF, para download.

No esquema abaixo, pode-se observar à esquerda o comutador de relé de transmissão por RF (2N2222), a sua direita o temporizador que mantém o ventilador ligado na velocidade máxima por 2 minutos após o PTT ser desligado (IRF840), a alimentação e o controle de velocidade dos ventiladores das válvulas, a fonte de 12VCC e o filtro de entrada de AC. 

 

 

A fonte de alta tensão utiliza o transformador original da Delta 1000, com 600VCA no secundário. O resistor de 10 ohms 20 watts faz parte do soft start e o medidor de corrente de placa utiliza um shunt de 0,33 ohms em paralelo com o VU. A tensão de saída é de aproximadamente 1500VCC em vazio. 

 

 

No esquema abaixo estão representados o circuito de medição de corrente de grade, a fonte de filamento e o circuito de polarização para as válvulas. A corrente de repouso foi ajustada para aproximadamente 80 mA, com uma tensão aproximada de 23 Volts. 

O amplificador funciona com grade à massa, excitado pelo catodo.

 

73 de PY3JHC